sábado, 20 de junho de 2009

Beleza e prostituição

Marta Sicurella (http://www.martasicurella.com/) é uma jovem artista que utiliza a fotografia como forma de expressão pessoal. Na arte contemporânea fico sempre na dúvida se a Marta pode ser considerada uma fotógrafa ou uma utilizadora do suporte fotográfico, como recurso para desenvolver as suas ideias e os seus projectos. Mas isso é outra questão e também pouco importa. Qualquer que seja a opção, o seu trabalho nunca pode ser apreciado em função destas escolhas e tal facto nem sequer deverá nunca desvalorizar a sua criatividade. Para Marta, “artista” é aquele que vê o que os outros não vêem. O trabalho dela deverá despertar alguma sensação. Ela trabalha sobre aquilo que não está lá, que não se vê. A literatura e alguns escritores são uma fonte de inspiração recorrente. E as Galerias são coisas muito esquisitas, sobretudo para a fotografia. Tive o privilégio de assistir recentemente a uma conferência de Marta Sicurella no Politécnico de Tomar. A primeira imagem que apresentou foi uma imagem vencedora de um World Press Photo . Tentava ela demonstrar que a simplicidade e a poesia com que ela via o mundo dispensavam este tipo de fotografias, de que há aos milhares por aí em tudo o que é sítio. Para ela o mundo é muito melhor do que essas imagens espelham. E acrescentava que imagens deste tipo poderiam deixar de ser captadas para darem lugar a uma nova esperança e a uma visão mais optimista do mundo. Comecei a ficar impacientemente sentado porque não estava a ficar inteiramente de acordo. Gerou-se a discussão quando a Marta referiu que aquelas fotografias eram, para ela, uma forma de “prostituição”. O debate estava lançado. Referi o interesse jornalístico, a força e a importância que uma fotografia pode ter num contexto de guerra ou destruição, para a opinião pública (como a destruição das torres gémeas), da carga informativa e ainda lembrei o que a história já nos tem ensinado, quando os jornais e revistas tiveram de enviar fotógrafos para a frente de combate, por “exigência” dos leitores que queriam saber o que se passava lá na frente porque as coisas não batiam certo com as informações institucionais. Claro que o fotojornalismo tem uma função própria. É sobretudo informação. Lembrei-me deste episódio hoje quando comprei a última edição da revista PHOTO (edição francesa) inteiramente dedicada à ecologia (a não perder). Não vi fotografias com pessoas a chorar porque perderam entes queridos na guerra, não vi fotografias com sangue a escorrer de uma qualquer vítima de um desmoronamento nem sequer fotografias de alguém a apontar uma pistola à cabeça de ninguém. Mas vi fotografias de tamanha violência e choque que não consigo passar sem vos mostrar aqui apenas dois desses casos: O primeiro são dois jovens a refrescarem-se no rioWawa, em Bacoor, nas Filipinas (fotografia de MIke F. Alquinto/Epa/Corbis) e a outra em Manila, também nas Filipinas da vida quotidiana ao longo de um curso de água carregado de detritos (fotografia de Francis R.Malasig/Epa/Corbis).
Agora digam-me lá se estas fotografias nunca tivessem sido tiradas e publicadas, teríamos consciência dos problemas que o mundo ainda atravessa em pleno séc. XXI? Teríamos a mesma consciência colectiva se não tivéssemos conhecimento do bom e do mau e do poder destrutivo que o homem ainda tem? Sem estas imagens seríamos seres capazes de pensar e de alterar comportamentos?

3 comentários:

  1. Excelente reflexão, e estou inteiramente de acordo!

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  2. Também comprei esta revista de antologia!!!

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  3. Paulo Sousa
    Concordo com a forma como sente a Fotografia!
    "Martas" como essa estão a proliferar por todo o Mundo (infelizmente).
    Em minha opinião trata-se de uma ONDA DE IDIOTICE que passará, tenho a certeza.
    Se o Mundo está como está, imagine-se como estaria se não fosse a força das imagens para denunciar a crueldade dos Homens.
    Grande Abraço
    G.J.

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